terça-feira, 2 de outubro de 2018

Por mais que você corra, irmão, pra sua guerra vão nem se lixar.

Nós achamos que conhecemos as pessoas com quem convivemos, até nos darmos conta de que elas são capazes até de justificar um fascista desde que ele prometa fazer a vontade delas.
O que eu preciso e quero falar não há ouvidos que possam ouvir. Tampouco corações que desejem sinceramente entender. Isso tem como consequência um sentimento profundo de solidão. Não fosse a certeza de ser filha de uma graça sobrenatural, não haveria motivação de vida. A sensação se ser apenas tolerada (ou pior, de ter a minha essência de vida invisibilizada por quem eu achava que me apoiaria e entenderia) dói.
Dói um monte.
Meu Deus, que dor eu sou capaz de sentir neste momento. 
Apesar de a causa parecer sobretudo a política do senso comum, não é só sobre isso. É sobre a vontade de odiar, que sempre esteve ali, um pouco envergonhada e, de certo modo, secreta. Eles sempre quiseram poder me odiar. Hoje o ódio pode ser explanado, gritado a plenos pulmões e coberto de justificativas por parte do cidadão de bem, que o legitima. Frases feitas, frases que desdenham qualquer possibilidade de esclarecimento, frases sem história. 
Pra quem sempre esteve ganhando, só o hoje importa.
E expor a ignorância do outro me parece tão violento, que sinto compaixão e me calo. Não quero a covardia de humilhar alguém, de devolver a violência com mais violência. Por isso, deixo ser minha a dor. Mas, ainda assim, não mais posso aceitar conviver com o que me esmaga, com o que me quer subjugada e menor.
Não sabendo mais como ou o quê dizer, só consigo elaborar o que sinto com lágrimas.

Te perdoo. Espero que você evolua. E eu também. Preciso crescer em misericórdia pra que a maldade não me machuque tanto.
Empatia. Alteridade. Nada disso parece existir. E isso causa certo desespero. No auge da dor, sinto raiva, quero dizer que você é burra, que você é um coitado, que vocês defendem os interesses de quem os vê como merda. Mer-da.

Gostaria de não sentir dor. Gostaria muito de não sentir dor. Contudo, ao mesmo tempo, comemoro o fato de ser tão humana.
A verdade é que o esclarecimento nos distanciou. E, me dói dizer isso, mas essa distância me fez bem. Agora entendo melhor as rupturas.
Rompi. Já foi.

Trilha: O tempero do mar foi lágrima de preto.

Discrepância

Das coisas que não são para mim: o diálogo. Descobri há pouco que, de certo modo, preciso que minha voz se sobressaia para que algo seja contado ou mesmo aconteça. Senti-me, desde então, no auge do egoísmo, uma vez que já me sabia, nesse quesito, em alta escala, mas não assim, no topo.
É sempre a minha voz que grita. No papel e na garganta.
Por que ainda me surpreendo comigo? Nunca sou o que pareço, porque não sei como fazer isso.
Eu sou um caos organizado.

Trilha: Fui ficando esquisito com a fartura de conflito.

quinta-feira, 10 de abril de 2014

Aos treze

Quando a rotina é luta, fica tudo tão cansativo... Eu não estou como eu gostaria de viver. Isso é tão complexo, que comemoro, pelo fato de quase ninguém entender ou sequer notar. O passado parece distante, mas está perto. O fio invisível é tão certo, que tenho medo... Qualquer deslize meu e tudo volta a ser como antes. Pode alguém não ser nada saudosista? Isso existe? Penso que tudo o que vivo agora, assim como o que já vivi, é transitório, apenas ponto de passagem para a minha verdadeira vida.

A aula começou cedo, e tudo começa sempre muito cedo para ela. F. e Ana mordiscam pastéis gordurosos enquanto L. e A., chapados de sol, mantêm-se imóveis na grama.
F.: - Já deixei tudo combinado pra hoje á noite.
A.: - Vou tentar chegar antes pra ajudar, tipo fim de  tarde.
L.: - Vocês falam como se fosse uma festa, como se houvesse algo a comemorar.
Ana, levantando-se de joelhos sobre a grama, abre os braços:
- Vamos comemorar a comitragicidade da ironia que é a minha vida!
N.: - Olha aí, derrubou o pastel, porra!
Ana: - Não se preocupa, como qualquer coisa depois.
F. sai dali ao ver P., vão conversar sobre todos aqueles assuntos só delas. A. usa fones de ouvido.
L.: Que eles se envolvam querendo fazer uma despedida pra você eu até entendo, mas te ver com esse sorriso falso e com essa paz que é trêmula...Isso não. Me poupe!
Ana: - L., eu não tenho escolha. Tenho rezado, tentado conversar, lutado... Mas esgotei as forças. Não tem como vencer a senhora dos absurdos.... Então, preciso fingir. Escolhi a pose tranquila.
L.: - Já é horrível saber que nem suponho o que vai ser de mim sem você, e ainda tem esse pavor de não saber o que vai ser da sua vida.
Ana: - Acho que tem uma fase em que as pessoas, quer dizer, os pais se esquecem da gente pra compensar o que provavelmente faremos com eles na sua velhice.
L.: - Fase longa pra nós. Agora sozinhas.



domingo, 23 de março de 2014

A vida não é assim tão previsível.

  A história é sobre uma garota. Aliás, o ponto de partida é uma garota, pois nunca se sabe aonde o desenrolar dos fatos irá levar. Se é que há destino. Começa assim: ela desce lances de escada, ligeira, descabelada, com mochila nas costas e casaco por cima da blusa cinza amarrotada. As escadas são de um prédio antigo, daquelas que têm corrimão largo, feito de concreto, e o piso em vermelho. Mora ali há uns seis meses e espera, enfim, parar de se mudar, indo e vindo apenas entre vidas tristes e trabalhosas. Quer descansar.
...
  Sentou-se ali superficialmente alheia em relação ao mundo; isso porque, profundamente, nunca se desligava dele. O que faltava era mais dinheiro ou mais coragem? Na ausência dos dois, pelo menos não precisava responder. E, assim, ia acumulando dúvidas sem culpa, já que a vida mesmo se recusara a dar chances de respondê-las. Sim, não lhe parece ter feito sua vida, esta foi se fazendo sozinha, impondo-lhe caminhos que obrigaram apenas a lutar para permanecer ali, viva.
  E por que agora não se sentia confortável em assumir isto, que estava plenamente viva? É perigoso e assustador admitir, mas é fato quase certo que só a essa altura de sua existência percebeu que estar viva não é só respirar com o mínimo conforto. Agora, que pela primeira vez em tantos anos consegue experimentar a tranquilidade básica de que parte a vida de qualquer um, nota que sonhos existem para além das necessidades. E os dela são tão dispersos, estranhos, perturbadores, porque, até então, não havia lugar para eles, não passavam de uma provável utopia de uma vida vizinha.
  Já pode sonhar, e essa possibilidade veio quase instantaneamente com os sonhos em si. Mas já pode realizá-los? Como arriscar o básico alguém que há tão pouco o tem?
  Meu Deus, me ensina o que é viver, me ensina o que é Você, não me deixe ser só mais uma doida que fala sozinha e almeja o impossível só porque sabe que ele não corre o risco de acontecer.
  No escuro, dormiu. Algo mais como: a fase de muito se esforçar para não pensar e, então, dormir.

Trilha: Gente sente tudo, gente tem que se envolver.

sexta-feira, 14 de março de 2014

Em um relacionamento sério

Será o excesso de autoestima alternado com a ausência dessa postura? Serão todas as convicções que andam comigo desde que me entendo por gente e que não deixo nem quero que me abandonem? Será a crença no amor, assim, cristão, infindo, certo e duradouro, ainda que feinho e difícil? Será que é porque eu adoro uma rotina? Será que é meu nojinho, minhas manias de limpeza, minha vontade de conhecer antes de tocar? Serão as prenúncias de feminismo, a não aceitação da intolerância, a luta contra qualquer discriminação e preconceito? Será a imensa vontade de ficar em casa vendo um bom filme e comendo besteiras em vez de ter de me arrumar toda e sair pra um lugar cheio e barulhento? Será meu vício em assistir a seriados dos anos 90? Será minha religião? Será meu desejo de ter filhos? Será o, desde o início exigido, respeito? Será a melancolia? Será minha complexidade? Será minha simplicidade? Será o meu não saber mostrar interesse? Será minha solidão? Será meu pensamento? Será minha falta de experiência? 
Será o estilo pouco convencional de misturar tendências, estilos, meias e cores como bem entendo? Será que é por não fazer as unhas e cortá-las tão curtas quanto o dedo? Serão meus batons vermelhos alternados com batom nenhum por não-estar-com-saco-pra-isso? Será a minha cor de pele, os meus lábios grossos, a minha testa larga? Será meu cabelo? Será minha negritude? Serão minhas roupas baratas de loja de departamento? Será minha mpb? Meu samba? Serão meus cílios postiços? Será meu perfume Thaty?

Será o que aparento ser? Será o que sou?
O que de mim é o grande problema pra você?

domingo, 9 de março de 2014

Um conto sem destino (2): Diálogos

- Oi, meninas! E aí?
- Oi. (2)

Tudo bem? lembramos de vocês, da noite da peça. Você é a Marina, não é? Siiiim, lembra meu nome?!  Lembro, claro, você falou comigo. Nooossa, eu falei com você, é mesmo... que vergonha.

Todos lembravam tudo. Claro que todos lembravam. Ela era como uma promessa do amigo que não tinha podido estar ali para desfrutar do prêmio. A outra era o prêmio prometido do mister sexappeal ali presente. E tinha o outro, o moço que era bonito, que tinha a cor do sol, do verão em dia bom, do dourado da estação [isso é a cabeça dela]. Será que o outro sabia da tal promessa? Todos sabiam de tudo. Todos fingiam não lembrar nada, ou quase nada. Como se fosse a primeira vez, foram. 

A que gostava de um menino parece ter superado logo o trauma da noite. Os pelos, apelos e cabelos conduziram-na a uma felicidade bem falsa, mas bem gostosa. A falsa vida é tão boa quando degustada...
Já a que havia amado um menino e era promessa de alguém que não veio vivia um conflito interior. Muitas convicções, muitos medos do não vivido não a deixavam ser normal. O que não sabia é que isso não atrai pessoas lá muito normais... De perto, ninguém é normal? Bom, mas nem tudo precisa ser tão absurdo nesta vida...

Os dois. A sós.

- Você disse que sou bonito? Nossa, até esqueci do que eu tava falando... 
- Eu gosto de escrever, tô escrevendo uma série, por isso me interessei muito pela peça de vocês.... 
- Você têm uma série escrita? 
- Bom, uma parte dela... 
- Ela é boa? 
- Não sei, gosto é algo tão relativo. Da minha perspectiva, é sim. 
- Renderia dinheiro? 
- Eu não sei... 
- Bom, uma história boa deve prender a atenção, com acontecimentos interessantes. 
- Hum. 
- Dizem que eu sou um cara muito interessante. 
- Nossa... e presunçoso, imagino. 
- Não é isso, mas minha vida é muito interessante. Eu vou te contar minha vida, posso? 
- Toda a sua vida? 
- Não, só a primeira temporada, mas não vai roubar minha história.

Uma conversa de simples flerte que começa assim não poderia indicar algo bom. Ela deveria ter desconfiado. Ela desconfiou, mas pagou pra ver. 

sexta-feira, 7 de março de 2014

Um conto sem destino (1)

Era noite. Noite animada no interior das paredes colorido-psicodélicas. Elas não tinham nenhuma esperança de vida e estavam cheias dela. Eram três: a que gostava de um menino, a que gostava de meninas e meninos, e a que já havia amado um menino e estava com muito medo do destino. O combinado era um encontro não tão às escuras e uma expectativa de a noite descombinar tudo. Como eram lindas na sua ignorância de beleza! Tuntch-tum-tuntch luz e som, brilho, luz negra, luz clara, sobe-desce, boca vermelha, cores. O fim das escadas trazia batidas, boas  batidas, e sempre surpresas, tanto para cima quanto para baixo. Primeiro, a surpresa já quase corriqueira, o menino que já fora amado, e que talvez até ainda seja.... Dança, dança, dança, desce as escadas. A segunda surpresa já um tanto comum, mas não menos traumática: o menino que ainda era gostado. Cruzaram-se, não como antes. Um ar gelado deixou tudo frio em segundos de câmera lenta. Ar pesado: ela gelou,entristeceu. Ele seguiu, nada aconteceu. Crises, vontade de sensualizar, sensualiza-se. Rum pum pum pum! Vontade de vingança me ajuda, eu preciso me libertar disso. Será que teremos o encontro às escuras furado? Danças escaldantes, calor, anos 90, beijos em meninos de quem preferia as meninas, biquinhos sensuais, muitos nãos. O homem já/ainda amado tentando a sorte, mantendo uma possibilidade de resgate. Ela balança, sempre balança tanto quando o vê... quase despenca. Olhos, bocas, mãos, leves toques, intimidade: Nós vamos descer! Cadê nosso encontro às escuras?
De repente, ele é avistado, na verdade, uma parte dele (do encontro): cabelo displicente, barba rala, bigode insinuante, sexappel ambulante.  E o amigo? Ela não queria mais, mas agora que ele não veio, até queria... Dança, até o chão, sedução... tudo corre como tem de correr....dança, dança... não quero, não to sozinha, agradeço o elogio... Dança dança. Vamos subir. A que gostava do menino já estava à vontade com sua fatia do encontro às escuras que apareceu; a que já havia amado estava em seu surto cotidiano, querendo saber um pouco mais sobre aquele cara que avistara de repente, e sabia muito bem quem era, e estava ficando cada vez mais lindo naquela falta de luz. Ele desgraçou minha amiga, ela sofre até hoje... mas seria só uma noite, não teria tempo para eu me desgraçar. Ela já ficou com o homem que amei, vive se insinuando... mas eu amei, passou. Não quero vingança. Ele é tão lindo. Eles estão vindo...